domingo, 31 de março de 2013

S1E2 - Na sala do chefe


Segundo Episódio


- A conturbada vida de um cactus?! Que porra de título é esse, moleque? - pergunta o gentil editor - Nem vou ler. A única coisa que um título desses inspira no leitor é sede!
- Eu posso fazer algumas modificações…
- Modif… Olha… esquece. Aliás, o que você ainda está fazendo aqui? Todo mundo já foi embora! Nem sei de onde você tirou esse cactus. O ultimo sumiu tem dois meses!
- Eu acho que o açougueiro vendeu como se fosse carne... - confidencia o rapaz - até porque vaca também não tem mais, e ninguém se lembra do gosto mesmo.
- Só falta agora o saloon fechar.
- Vai fechar...
- É o fim dos tempos!

http://eddydubell.blogspot.com.br/2011/01/sad-cactus.html
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O garoto permaneceu ali, engajado, sentado no sofá de couro que, de alguma forma, Vargas conseguiu esconder dos cobradores, escrevendo novas opções de título, talvez envolvendo doninhas ou outras formas de vida subestimadas pelos escritores mais "mainstream".

- Vai embora, rapaz. Acho que vou organizar umas caixas por aqui, e fechar a barraca por hoje.

À beira da porta, entretanto, o rapaz ouve o editor chamar-lhe, com o copo de uísque descuidadamente dançando entre as pontas dos dedos.

- Você gosta mesmo disso tudo, não é? - o escritor apenas concorda com a cabeça, vacilante - Eu só posso publicar o que as pessoas querem ler. Você precisa entender… - mais um gole, e mais uma ideia vai direto do copo para o cérebro - Porque você não se arrisca mais e tenta alguma coisa com um pouco mais de ação? É disso que as pessoas gostam, cara! Uma coisa mais dinâmica, com mulheres, brigas, alguma comédia… Tá entendendo?
- Acho que sim…

E finalmente o uísque parece ter encontrado seu porta voz definitivamente.

- Se tu der uma melhorada nisso, quem sabe… não aparece, de repente… na próxima edição…

Com o fogo em seus olhos queimando intensamente mais uma vez, o jovem escritor mal podia acreditar no que acabara de ouvir. Suas esperanças pareciam mais vivas do que nunca, e o instigavam a correr pelas ruas mortas de dead town em busca de historias incríveis. Precisavam ter muita acao, bastante sangue, mistérios indecifráveis! Nada de cactus ou doninhas, agora a porra ficou séria!

Até o velho editor chefe parecia animado com a motivação inesgotável do jovem escritor, mas, pelo andar da carruagem, tinha que ser sincero consigo mesmo. O jornal refletia apenas a situação de toda a cidade. As instalações do folhetim passaram de geração para geração, de modo que não havia como perde-las, mesmo com tantas dividas. Mas, todo o resto eram ruínas. Na cidade já não haviam mais leitores... Talvez fosse a hora de lhe dar uma chance, antes que tudo acabasse de vez.

. . . . . . 

A semana passou tão rápido quanto o pavio de uma banana de dinamite queima sob o sol escaldante de dead town. Não haviam repórteres para inventar, digo, noticiar mais nada, e a meteorologia já não era mais tão interessante depois do centésimo "dia ensolarado sem qualquer possibilidade de pancadas ou mesmo tapinhas de chuva".

O que ainda alimentava as poucas paginas do folhetim eram os quadrinhos e contos. O antigo escritor, entretanto, havia publicado certas historias em que sugeria que uma certa moça, com uma personalidade certamente muito parecida com a da mulher de um certo cartunista, tinha o habito de visitar certos escritores solteiros em suas casas a noite. A coisa piorou quando os quadrinhos começaram a contar a historia de uma outra moca com personalidade - tudo bem, eu quero dizer seios - muito parecidos com os da irma de certo escritor, onde ela, coincidentemente, também gostava de visitar artistas a noite.

Tudo parecia não passar de especulações ate que os dois marcaram um duelo em frente ao saloon, e puxaram o gatilho ao mesmo tempo, deixando o jornal com dois funcionários a menos. Sem ter o que publicar e sem sinal do jovem escritor que prometera voltar com a salvação do folhetim, Vargas não poderia fazer mais do que sentar a beira da janela, e esperar os dias passarem. 

E os dias passaram. Passaram-se os meses, e também alguns poucos anos. Com uma caixa debaixo do braço, reunindo os poucos pertences que ainda lhe restavam, Monty Vargas fechava o trinco de seu escritório e se dirigia a saída da redação, para o derradeiro adeus,  quando, subitamente, a porta se arrebenta contra as paredes, como se tivesse sido atingida por, quem diria, um furacão.

- Mas que diabos, homem! - vocifera Vargas.

Pela porta, entrou um rapaz de cabelos longos e desgrenhados. Os dentes podres sorriam o sorriso da vitória, emoldurados por uma barba enorme, horrível, e os óculos escuros não eram suficientes para esconder o fogo em seus olhos. Com a mão esquerda de madeira, sem semelhança assustadoramente alguma com uma mão de verdade, o rapaz misterioso traz um calhamaço enorme de papel, e o atira contra o perplexo editor. 

- Consegui, senhor! Ai esta a melhor historia que qualquer jornal poderia publicar no mundo inteiro!
- Mas, o que houve com sua mão? E esse negocio ai cobrindo seus olhos? Sem falar nesse peixe enfiado no seu ouvido!
- É uma longa historia… não perca mais tempo!

Chocado, e ainda sem ter certeza se reconheceu naquele ser humano ultrajante o jovem que havia deixado a redação anos atrás, o velho Vargas atira a caixa com seus objetos no chão, e corre de volta ao escritório. La ele senta, absolutamente ansioso, com a ultima garrafa de uísque que lhe restou em uma das mãos, e, na outra, bem, o inacreditável relato que justificaria com honras e glorias uma longa ausência. E esse relato, meus amigos, é o que segue publicado aqui, fielmente, intitulado: "Aventuras Vernianas em uma Era Pré-Cientifica"

Aproveitem...




*todos os personagens, cenarios e situacoes aqui apresentados sao de autoria da mente doentia mas criativa de Henrique Zanchi. Gentileza nao reproduzir, utilizar, copiar, editar, apresentar, ou usufruir de qualquer maneira com fins comerciais sem a autorizacao expressa do autor.

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